Tim Maia, chacretes, BBB e Casseta & Planeta: um apanhado geral da cultura brasileira segundo Nelson Motta

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Para Motta, biografia de Tim serve como uma espécie de “vingança”, em uma época de caretice e hipocrisia

*Por Marcelo Stammer, texto e fotos

Música é com ele. Nelson Motta é um sujeito que fala com autoridade sobre qualquer personagem da música mundial, de qualquer época, seja Johnny Alf, Yusuf Islam ou The Pippetes – exemplos de artistas que figuram em seu programa de rádio, Sintonia Fina. “Eu sempre fui curioso e não tenho preconceitos musicais. Gosto de novidades, mas não sou bobo. Para me enganar, é difícil. Tenho 63 anos, dos quais pelo menos uns 50 vivendo a música intensamente”, diz. É verdade. Quando o assunto é a música brasileira da segunda metade do século 20, então, é difícil não esbarrar em seu nome. Nelson Motta participou da bossa nova, ao lado de nomes como Dorival Caymmin e Edu Lobo. Ganhou festivais de música nos anos 60. Compositor, foi parceiro de Lulu Santos no sucesso “Como uma onda”. Produziu artistas como Elis Regina e Gal Costa. Como jornalista, impulsionou a explosão do Rock brasileiro nos anos 80, época em que trabalhou no jornal O Globo. Foi diretor artístico de gravadoras, produziu o mítico festival Hollywood Rock. Ultimamente, é mais conhecido como escritor. Já escreveu seis livros, dos quais o último, “Vale Tudo – O som e a fúria de Tim Maia”, lançado em novembro de 2007, figura nas listas dos livros mais vendidos de não-ficção desde o seu lançamento.

De passagem por Curitiba, Nelson Motta participou do evento “Diálogos universitários”, na Universidade Tuiuti do Paraná, no último dia 12 de março. Aproveitou para atender a imprensa em entrevista coletiva, onde falou sobre o amigo Tim Maia, a indústria do disco, a nulidade artística de Curitiba no cenário nacional e muito mais. Leia a entrevista abaixo.

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O Síndico
“Nesse livro, eu quis me aproximar do Tim. E o tempo se encarregou de fazer com que eu me aproximasse do ‘Tim Total’, vamos dizer assim. Esse livro não é uma biografia acadêmica, como essas que o Ruy Castro faz, que o Fernando Moraes faz, que o Laurentino Gomes faz. Eu acho espetaculares, mas no caso do Tim Maia não caberia isso, ia até ficar meio ridículo”.

“É declaradamente uma biografia escrita por um amigo, por um fã do Tim Maia. Agora, quem lê o livro, vai saber que, pelo fato de ser uma obra escrita por um amigo, eu não escondo nada do Tim, mostro tudo o que ele fez. Por que o Tim Maia tinha lados completamente bandidos, marginais. Ele fez muita coisa maravilhosa mas fez também muita coisa horrorosa. Só que ele se orgulhava de ser como era. A maior traição seria tentar apresentá-lo como um bom moço, politicamente correto. Deus me livre, ele iria infernizar minhas noites! Já pensou um fantasma do Tim Maia te enchendo o saco? Eu não queria correr esse risco (Risos)”.

“Eu queria que esse livro fosse lido com a levada e o ritmo de um romance. Exatamente como o som do Tim Maia: queria que o livro tivesse suíngue, e que alternasse o ‘esquenta-suvaco’ com o ‘mela-cueca’, que era o segredo do sucesso do Tim. Ou seja, as coisas engraçadas com as coisas tristes, as coisas dançantes e as coisas românticas, em todos os sentidos da vida dele”.

“Esse ritmo de romance aproxima o leitor, faz com que se envolva mais e se apaixone pelo personagem. As pessoas sofrem com as coisas ruins, mas também morrem de rir com o Tim Maia. De alguma forma, as pessoas se sentem vingadas. Hoje em dia, todos esses ‘heróis’ contemporâneos –  as celebridades atuais – são todos muito caretas e politicamente corretos. E (no livro) o Tim Maia é um trator passando por cima dessa hipocrisia toda. Foi um cara que viveu a liberdade ao extremo. Então, é uma espécia de vingança poder apresentá-lo como um herói da música, do humor e da liberdade”.

“Ele dizia que era formado em cornologia, sofrências e deficiências capilares. Quando o seu sobrinho Ed Motta lançou o primeiro disco, recheado de músicas alegres e dançantes, Tim não perdeu tempo e falou: ‘ele precisa viver mais, namorar, ser corneado, pra aprender a fazer música romântica e entender por que é que o Julio Iglesias vende tanto disco’”

Casseta, Big Brother e a cultura no Brasil
“Hoje, os valores artísticos e culturais da sociedade estão muito mais caretas e hipócritas do que eram há dez anos atrás. Isso em um contexto geral, não só no Brasil mas também na Europa e Estados Unidos. Não se pode mais fazer piada com nada”.

“Pra você ver: o Casseta & Planeta só sobrevive porque eles têm, entre eles, um negro, um judeu – aliás, tinham um judeu e comunista ao mesmo tempo, que era o Bussunda – e dizem que tem um gay, também. Então, eles ficam a vontade para fazer piada de gay, de negro, de comunista, de judeu, por que eles têm ali entre eles”.

“A sociedade de consumo faz com que as pessoas sejam célebres por nada… porque aparecem na capa da Caras ou da Contigo. Um ex-BBB e o Caetano Veloso, em um festa, são a mesma coisa (para estas revistas). Ou seja: um gênio musical e um imbecil, nivelados em importância tanto para o público quanto para a indústria (do entretenimento). E é esse ‘caldo de cultura’ que distorce completamente os valores. Misturam grandes artistas criadores, pessoas importantes para a cultura brasileira, com estrelinhas de novela e ex-BBBs”.

A música brasileira hoje
“Apesar de tudo, a música brasileira está cada vez melhor. O Brasil está cheio de gente nova fazendo coisas ótimas, em vários gêneros musicais – seja Rock, samba, hip-hop ou bossa nova. Eu cito gente como a Maria Rita, Roberta Sá, Edu Krieger, Mariana Haidar”.

“Eu digo que a música brasileira está melhor hoje, por que, se em 1970 o Brasil tinha 90 milhões de pessoas e uma grande MPB, hoje nós temos 180 milhões e muito mais tecnologia de gravação e de produção, cada vez mais barata e acessível. Então, eu deduzo que, hoje, deve ter, no mínimo, o dobro de música boa. O problema é que, quanto mais fácil é produzir música, mais difícil é aparecer, conseguir espaço”.

O fim da indústria do disco e o país da “boca-livre”
“A internet está aí para prejudicar a venda de CDs. É para isso mesmo que ela existe. A indústria do disco já explorou o público durante décadas. Já fez fortuna, já fez executivos milionários, aquelas coisas afrontosas. Acabou essa porcaria toda, que não tem nada a ver com música. A indústria do disco foi dominada pelos financistas, pelos marqueteiros e pelos advogados, são esse que mandam e que estão enterrando a indústria. Graças a deus, já vai tarde”.

“A indústria do disco acabou, da forma como nós conhecíamos. Mas ela está se transformando. Durante algum tempo, ainda vão existir os CDs físicos, mas, logo, logo, vai ser só o pen-drive, as pessoas vão só baixar música da internet”.

“Nos ‘países civilizados’, ou seja, nos lugares onde as pessoas estão acostumadas a pagar pelo que consomem, sempre existiu esse negócio de você colocar um moeda e comprar um jornal, mesmo sem controle e sem ninguém olhando. Então, esse povo paga para baixar uma música, é a mesma coisa. No Brasil, naturalmente, isso vai levar mais tempo pra acontecer, por que aqui as pessoas têm a tradição da ‘boca-livre’, todo mundo quer coisa de graça, não quer pagar por nada. Isso é um traço brasileiro. Mesmo quem pode pagar, ou melhor, principalmente quem pode pagar, sempre quer entrar de graça em um show, se acha desprestigiado se ele tiver que pagar uma entrada no show de uma pessoa conhecida. Isso é um absurdo”.

Chacrinha e Faustão
“O Chacrinha era genial, um grande artista, o primeiro grande ‘palhaço eletrônico’. Era um crítico da sociedade, um anárquico total. Aquelas chacretes praticamente peladas, aquelas bundas filmadas em planos baixos, isso não acontece na TV de hoje em dia, é muito careta. Por exemplo, a melhor coisa que teve naquele especial do Tim Maia da Globo, ‘Por toda a minha vida’, foi uma apresentação que ele fez no programa do Chacrinha, com as chacretes gostosérrimas todas dançando com ele. Isso é impossível de acontecer hoje. O Chacrinha tinha a liberdade de fazer esse tipo de coisa, o povo amava”.

“Veja o Faustão, por exemplo. É a coisa mais assexuada aquelas bailarinas do Domingão, fazendo aquelas coreografias… Não tem vida naquilo”.

A “nulidade” artística de Curitiba
“Não sei a que atribuir isso… não acredito que em Curitiba ou Floripa tenha menos talento do que em Pelotas ou Porto Alegre. Eu tenho certeza que tem uma cena musical vibrante aqui, mas… eu não conheço, não tenho acesso, não me mandam material. Mas veja por exemplo um cidade como Belém do Pará, que é muito mais pobre que qualquer cidade do Sul. Lá, existe um cena musical fabulosa, quando tem show vão dez, vinte mil pessoas. Curitiba ainda é um certo mistério pra mim, não consigo entender”.

7 Respostas to “Tim Maia, chacretes, BBB e Casseta & Planeta: um apanhado geral da cultura brasileira segundo Nelson Motta”

  1. Valeu a espera, Marcelo! Deliciosos esse Nelson Motta e essa entrevista… Fica a dica: Rapaziada de Curitiba, vamos mandar material para ele… e acabar com esse mistério todo!

  2. é… Nelson Motta tem razão em todas as linhas dessa entrevista!
    valeu C4, muito bom mesmo!
    abs

  3. Genial!

    Valeu Marcelo

    O cara tem razão sobre Curitiba, mas acho que, a longo prazo, dá pra mudar essa “nulidade” do cenário local. Talvez falte mais iniciativa dos próprios artistas, sei lá… o problema é que existe um rotulo (ruim) muito difundido da cidade pro pessoal de fora, eles só sabem falar que Curitiba ainda é muito provinciana e blá blá blá. Tem muita coisa legal aqui, só que, por algum motivo as pessoas não sabem disso.

    Kell

  4. lucianops Says:

    gostei muito da entrevista
    Nelson definiu muito bem como a cultura
    anda à migalhas na nossa terra tupiniquim e não só aqui, mas em todo o globo há esse “mal estar” geral.
    pessoal vamos dar uma virada nesse quadro e na nossa imagem de Curitiba cinza, temos muita coisa legal e temos que mostrar e nos orgulhar disso.

    abcs

  5. eu achei muito legal o q ele falou do chacrinha e la no final ele fala q nao tem vida aquelas bailarinas do fastao dançando mas pior q é verdade elas nao precisam fikar praticamente peladas

  6. eu adorei essa entrevista foi demais

  7. Andressa, acho que você não entendeu o que ele quis dizer… ele disse exatamente o contrário: ele acha as dançarinas do Faustão “sem vida” justamente por NÃO ficarem peladas como as chacretes.

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